Tendo aprendido a jogar RPG quando tinha por volta dos meus 12 à 13, meu primeiro contato real com um foi quando meu primo Mateus veio me visitar e trouxe consigo uma cópia do primeiro Tagmar. Aquele primeiro lançado em 1991. Talvez estivesse entre os primeiros contatos do meu primo com aquele tipo de jogo também, e ele tinha lido o livro e acho que até já tinha jogado com os amigos dele outros RPG. Mas até onde eu tinha entendido, seria a primeira vez dele mestrando, e ainda por cima a primeira vez dele tentando fazê-lo em Tagmar que era algo que ele tinha acabado de ler.
Para mim havia sido uma experiência marcante, a ponto de que eu decidi ali que RPG seria algo que eu faria para sempre. Era algo que meio que englobava uma sorte de coisas que estavam entre meus interesses principais: videogames, quadrinhos, história, narrativas fantásticas, literatura, filmes, séries (e por que não incluir desenho e animes que eram coisas que eu consumia muito na época?). E, curiosamente, mais tarde eu acabava por descobrir maneiras de conectar esse meu novo interesse com uma de minhas outras paixões: música - mais especificamente com música pesada / heavy metal. Não foi nem difícil descobrir mais tarde, que grande parte das fantasias e lendas que baseiam todo o ethos do RPG também eram temas de letras de diversas bandas. E que tinha até bandas que compunham álbuns inteiros com base nas histórias de campanhas de RPG que os membros da banda jogaram.
E nem foi preciso dizer que desenhos animados, como o famoso Caverna do Dragão, alimentavam o meu imaginário e abastecia minha inspiração para criação de campanhas e aventuras. Mas durante muito tempo nunca passou pela minha cabeça, que eu pudesse criar meu próprio mundo de RPG. Com história, cronologia, personagens, dinâmicas políticas, intrigas, conflitos e religiões próprias. Eu não me achava digno de tal ousadia, uma vez que eu ainda não me enxergava como alguém amadurecendo intelectualmente para que pudesse alçar mão de algo tão profuso, responsável e comprometedor. Afinal, na minha cabeça, querer fazer isso era arrogantemente dizer que eu estava no mesmo patamar intelectual e de competência que o Professor J.R.R. Tolkien, ou dos próprios Gary Gygax, Steve Jackson, Monty Cook e diversos outros que já tinham mostrado excelência em trabalhos por aí. Especialmente com nomes chavões de venda como GURPS e D&D fazendo cada vez mais sucesso, e isso era nos anos 90.
Então eu, depois de ter sido maravilhado pela experiência do RPG, resolvi que iria entrar de cabeça naquilo. E fui atrás de ter um desses jogos. Naquela época a TSR (que hoje se chama Wizard of the Coast), tinha lançado kits de jogos de tabuleiro para introduzir as pessoas ao RPG, e para concorrer com o sucesso do Hero Quest. O que explica a existência do Dragon Quest, que foi o "primeiro RPG" que eu comprei. Na época sendo muito jovem, e ainda não tendo desenvolvivo ainda o gosto por leitura eu tive preguiça de ler o livro de regras. Que não devia ter mais do que umas cinquenta páginas. Então fiz minha irmã lê-lo para mim, enquanto eu ia ouvindo e tentando absorver como funcionavam as regras. Mais tarde quando ela terminou de ler para mim, minha irmã não quis ter mais nada a ver com o assunto. O que por um lado foi bom, pois quando eu tinha alguma dúvida o desinteresse dela me fez ter de, finalmente, ler o livro eu mesmo. Como eu era o dono do jogo, eu obrigatoriamente me tornei o GM das sessões que eu tinha com meu pequeno e humilde grupo de amigos.
Quando meu primo veio e me mostrou o Tagmar, eu falhei em perceber que ele estava me apresentando (e me iniciando) com o que ficou conhecido como o primeiro RPG brasileiro. Era 1995, o Tagmar já existia havia uns 4 anos pelo ao menos. E eu nunca tinha ouvido falar dele, ou o que era RPG. E anos mais tarde, quando eu descobri que o primeiro RPG em vida que eu tinha jogado, tinha sido logo o primeiro RPG criado e lançado por autores brasileiros foi razão suficiente para que eu deixasse de lado minha síndrome de vira-latas. Quem estava dizendo que eu não seria capaz de fazê-lo? Apenas eu mesmo em minha cabeça.
Porém eu ainda assim resolvi dar apenas primeiros passos, logo Esthanis se tornou um cenário de RPG e não um sistema. Eu não me sentia preparado, ou experiente o suficiente, para criar estruturas de regras originais e conteúdos complexos para um sistema. Mas já tinha ideias que considerava legais suficientes para enquadrar em um tema de jogo, um cenário, que pudesse ser usado em qualquer sistema de RPG com foco em fantasia medieval. Óbvio que inspiração em referências famosas como Senhor dos Anéis, Caverna do Dragão e o próprio Dungeons & Dragons estavam presentes no processo de criação. Não era nem segredo isso. Era o que eu gostava, e era também o público que eu queria agradar. Porém eu não sou nenhum Tolkien, e na verdade estava mirando mais em autores mais próximos da minha realidade como Marcelo Cassaro, J.M. Trevisan, Marcelo Del Debbio e toda a galera por de trás do Tormenta que havia se tornado meu sistema preferido para quando ia mestrar para meus amigos.
Sim, eu havia me tornado um narrador, um mestre, um game master (GM), um dungeon master (DM), ou qualquer outra nomenclatura que prefira. Tanto porque é ele quem geralmente criava as histórias e estruturas dos mundos nos quais os jogos aconteciam, quanto pelo fato de que meus amigos não estavam muito interessados em se dar ao trabalho de ler os livros básicos. Logo, o trabalho sobrava para mim. Mas como isso me dava as informações e ferramentas necessárias para fazer o que eu queria: criar meu próprio mundo e cenário de RPG.
De início meu mundo era basicamente uma distorção e corrupção de Arton - o mundo do RPG Tormenta - onde eu só meio que usava mais ou menos a mesma estrutura geográfica. E só ia mudando os nomes das cidades, e criando NPCs de acordo com a necessidade da cena. Isso foi o estágio embrionário do que mais tarde viria a se tornar Esthanis. A consolidação do nome e do conceito, se deu por volta de 2006. Onde eu estava envolvido com fóruns de RPG, enquanto cursava a faculdade. Um dos fóruns que eu participava iria fechar, e o meu RPG que eu estava narrando lá (que a essa altura já se chamava Esthanis) precisava ir para algum lugar ou então só iria existir em meus documentos do Word e nas raras mesas que eu conseguisse para mestrar. Foi aí que o pessoal de um fórum chamado Projeto RPG - do Tiago Hades e Mateus DK - me cederam espaço. Dentro do servidor do fórum deles, eles me cederam um sub-fórum desde que eu ficasse apenas em D&D e sistemas derivados de d20 (ou qualquer outra coisa que não fosse Storyteller / World of Darkness que era o forte do PRPG).
Daí o Esthanis ganhou um lar: o fórum Excalibur (abreviado de XK). Eu me tornei o administrador deste fórum onde o cenário principal era o meu e todos membros poderiam jogá-lo ou abrir suas próprias mesas. Foi aí que eu peguei um pouco de reputação como narrador, entre um grupo de pessoas que não eram meus amigos do meu lado offline da vida. Nesse período, foi quando eu comecei a registrar um pouco melhor o ethos, e o histórico de Esthanis, incrementando meu mundo de modo que o tornava mais verossímil e convincente para os jogadores. Tornando a experiência de imersão cada vez mais crível e proveitosa. E o sistema usado na ocasião era o AD&D muito embora o D&D 3° edição e o 3.5 já estivessem estabelecidos e populares. O próprio Pathfinder estava começando a penetrar no mercado brasileiro. Porém eu não consegui fazer durar muito tempo. Esthanis no Excalibur durou por volta de 2 a 3 anos. Após isso o Projeto RPG fechou portas de vez, e com isso o Excalibur foi-se com ele. Esthanis voltou a ser apenas algo que residia apenas em documentos de Word, ou dentro de minha cabeça. E sem mesas de RPG para atuar, ficava sem tê-la como desenvolver. Felizmente o advento das Virtual Table Tops tornou mais uma vez possível, e daí anos mais tarde eu estabeleço uma nova mesa com amigos da internet e utilizando o Roll20 aliado ao sistema Old Dragon um novo grupo começa a me ajudar explorar novas histórias em Esthanis e dar continuidade à criação e manutenção do cenário e todo seu ethos.
Em sua fase embrionária, Esthanis era, conforme dito antes, uma Arton. Usava os mesmos mapas, as cidades eram todas nos mesmos lugares. Só mudando um nome ou outro, conforme ia criando. E até o panteão era o mesmo, meramente por conveniência. E assim ficou enquanto os jogos eram apenas entre meus amigos, nunca mestrando o cenário para ninguém de fora do meu círculo de amizade. Por essa razão, até que o Esthanis passasse a ser um produto usado em fóruns de RPG ele foi quase que exclusivamente usado com o sistema e em relação simbiótica com o Tormenta em suas versões iniciais.
Obviamente que isso significou influência no tom do cenário, no nível de descontração e humor, ao mesmo tempo que ainda assim focando em relativa seriedade e verisimilitude. Minha intenção sempre foi que Esthanis se aproximasse mais do tipo de fantasia dos jogos de Dungeons & Dragons e Tagmar, do que Tormenta e seu 3D&T que flerta bem mais com cultura pop, animes e jogos. Mas a excelência que o Tormenta tinha em, por esse sabor mais contemporâneo, ser mais amigável e fácil de assimilar para iniciantes também era o que eu queria. Essa talvez tenha sido minha maior razão, para que eu usasse o cenário com uma relação simbiótica: queria atrair seu público para meu mundo.
Porém quando Tormenta chegou ao d20, desvencilhando-se um pouco dos 3d6 do sistema que o pariu, muitos não viam muita vantagem em "jogar algo que se assemelhasse a Dungeons & Dragons só que com outro nome". Por essa razão, quando Esthanis firmou suas raízes nos fóruns - inicialmente Dominus Lex, depois Concillium e por fim Excalibur/PRPG - eu resolvi voltar para D&D. Contudo, eu não tinha comprado nenhum livro da versão mais atual da época (o D&D 3.5), e por isso me sentia inepto para adequadamente narrar usando o mesmo. Dai me voltei para o que eu já conhecia e tinha acesso aos livros: Advanced Dungeons & Dragons. E como um cenário de D&D 2° edição ele ficou até o fechamento do fórum.
Posteriormente eu me familiarizei com D&D 3.5 e me apresentei ao Pathfinder o qual aprendi moderadamente sua linguagem. Mas ainda assim, sempre que eu ia conduzir uma mesa de Esthanis me mantinha no AD&D. E isso, aos poucos, tornou a proposta cada vez mais impopular. E pelo tempo que o D&D4 havia chegado, Esthanis era apenas uma memória. Não havia mais ninguém com quem eu tinha jogado antes disponível, e não conseguia novas mesas por eu não saber conduzir uma mesa com as novas edições de D&D. A experiência de continuar aprimorando meu cenários, se tornou um sonho nostálgico e eu acabei me enveredando para outras mesas mais interessadas em World of Darkness (em especial Lobisomem: o Apocalipse).
Por volta de 2022 foi quando eu resolvi dar uma chance a um novo sistema de RPG brasileiro novo, que havia sido lançado já havia alguns anos. Havia ouvido falar dele em mais de uma ocasião, da boca de mais de uma pessoa, e visto vários conteúdos de sites, blogs, canais de Youtube falando sobre ele: Old Dragon.
Já faz um tempo que um revival vem acontecendo dentro da cena RPG; a de pessoas que gostam do “estilo old school” (velha guarda para bons falantes de português). Cada vez mais novos autores estão aparecendo, e uma tendência de que eles façam RPGs que se remetem aos velhos mecanismos do Dungeons & Dragons 1° e 2° edições. Provavelmente por essas edições terem chegado ao status de “domínio público”, e daí a detentora dos direitos não pode acionar contra alegando violação de propriedades intelectuais. Ao mesmo tempo que a própria Wizards of The Coast pode, e provavelmente está, aproveitando essa onda para captar novos autores para sua marca (assim eliminando a concorrência). Porém essa nova tendência de OSR (abreviação de "Old School Role-Play"), também chegou ao Brasil e Antonio Sá Neto e Fernando Nunes aproveitaram dela. Old Dragon segue esse modelo de OSR e possui diversas semelhanças com AD&D, ainda que possua alguns elementos que divergem do mesmo e possua aspectos mais modernos. Essa grande semelhança com AD&D, fez com que a leitura do manual básico fosse praticamente sem esforço para mim, que já conhecia o sistema que inspirou o Old Dragon. Logo se tornou a escolha mais lógica e natural, que para revitalizar o Esthanis eu usasse o Old Dragon. A fase com Old Dragon foi uma das longas, e a mais prolífica. Felizmente eu consegui uma mesa com pessoas que me ajudaram, através das sessões e os personagens que criaram me ajudar a moldar um pouco mais do cenário. De modo que a mesa só foi interrompida quando o revés da vida se tornou mais pesado e eu precisei dar uma pausa obrigatória. Mas caso não tivesse acontecido, o primeiro arco teria sido finalizado e daria vazão para um segundo arco com personagens novos dos mesmos jogadores. As sessões de Esthanis com Old Dragon e esse grupo, durou de Setembro de 2022 até Agosto de 2024.
Inicialmente minha intenção era reavivar o Esthanis usando as regras de sistema do Tagmar como base, para dar continuidade ao cenário. Porém, acabo por optar fazer algo um pouco mais ousado. Havendo um bom tempo que eu estive "cozinhando" um sistema de RPG próprio em minha cabeça, resolvi colocá-lo no papel e assim surgiu ESTHANIS 1° Edição.
A mecânica usada em E1ed, foi desenvolvido por mim baseado na minha experiência em outros sistemas, inicialmente pensei em usar esse sistema em um cenário fixo com tema em música heavy metal que iria se chamar BANGERS SALVAM O DIA (ou BSOD). Embora o sistema e sua mecânica tenha ficado funcional e robusto, a temática do BSOD não estava pronta. Ainda precisa ser melhor pensada e aperfeiçoada, por isso deixei de lado (por enquanto). E então resolvi aproveitar as regras que usava nele, como sistem básico e genérico e jogar o Esthanis por cima. Espero que seja uma experiência orgânica e compreensiva e que todos possam se divertir, ao resolverem se aventurar.